Beleza Ciência

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Mecanismo de Ouro

POR CATARINA PARKINSON

 

Salvador Dalí brincava com o conceito das horas como se fosse possível sonhar acordado. Do sonho para a Ciência, em 2017, três investigadores americanos receberam o prémio Nobel da Medicina por desvendar alguns dos mecanismos que fazem o nosso relógio biológico funcionar. Ainda não controlamos a passagem do tempo, mas estamos cada vez mais perto.

 

 

Este ano pedi pelo natal um daqueles relógios do novo milénio que simula o nascer do sol para nos ajudar a acordar de forma natural, com uma das minhas principais resoluções do ano novo em mente: dormir sem o telemóvel ao meu lado (vá, colado a mim). Bem sei que estes relógios não são nenhuma novidade, mas a verdade é que continuam a esgo- tar. Esta última informação, partilhada por quem me queria realizar este desejo natalício, apanhou-me de surpresa. Mas depois lembrei-me da edição dos prémios Nobel deste ano, que atribuiu aos três investigadores Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young, o prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina, pela descoberta do mecanismo molecular que controla o ciclo circadiano – e já não achei assim tão estanho.

Passo a explicar: o ciclo ou ritmo circadiano, nada mais é que o nosso relógio biológico interno. Tem como objetivo antecipar as necessidades do nosso organismo, regulando o seu funcionamento (coisas como comportamento, níveis hormonais, sono, temperatura corporal e metabolismo) de acordo com as suas necessidades diárias. Está normalmente sincronizado com o movimento de rotação da terra e é sensível a estímulos exteriores como a luz do dia. A forma. mais simples de explicar o ritmo circadiano em ação é através do jet lag, essa “maldita” condição que afeta especialmente quem viaja com frequência para países com diferentes fusos horários. Uma das principais funções do ritmo circadiano é avisar o nosso organismo para passar do estado alerta (acordado) para o estado de descanso (sono). Quando começa a escurecer, o hipotalamo (parte do cérebro que controla o ritmo circadiano) começa a receber sinais de que se aproxima a hora de ir dormir, fazendo o organismo sentir-se cansado. Adormecer (ou tentar) a olhar para uma fonte de luz potente como a do telemóvel pode perturbar ou interromper este processo. Uma vez habituados a este horário interno, quando viajamos para outro país onde anoitece mais tarde (ou mais cedo), é inevitável não nos sentirmos fora de ritmo ou com as horas trocadas. Por outras palavras: jet lag.

Este mecanismo não é exclusivo do ser humano e parece existir noutros seres vivos: as folhas da árvore do tamarindo fecham-se ao anoitecer, voltando apenas a abrir ao amanhecer e o fungo Neurospora produz esporas todas as madrugadas antes de amanhecer. Mas até hoje ninguém compreendia bem como funcionava exatamente este mistério da Natureza. Nos anos 70, o biofísico Seymour Benzer e o seu aluno Ronald Konopka descobriram que a mutação de um gene não identificado, a que deram o nome Period, interrompia o ritmo circadiano da mosca-da-fruta. Este ano, depois de três décadas passadas a estudar o ritmo circadiano também da mosca-da-fruta, os três cientistas deram mais um passo que promete revolucionar a saúde do Homem. Primeiro, Hall e Rosbash conseguiram isolar com sucesso o tal gene Period e observar que este produzia uma proteína (batizada PER) que se acumulava nas células durante a noite e se degradava durante o dia, provando que o seu funcionamento estava sintonizado com o ritmo circadiano. Já Young, identificou um outro gene que por sua vez produzia uma outra proteína cha- mada Timeless ou TIM. Constataram ainda que quando estas duas proteínas se encontram, unem-se e deslocam-se até ao núcleo da célula, desligando o gene Period.

Como nos explicou o neurologista e diretor clínico da Neuro Clinic Alexandre Machado, descobriram que, além da regulação que é feita através da relação sincronizada entre o nosso património biológico e genético, o ritmo endógeno e o ciclo dia/noite, existe também um conjunto de genes (a que chamaram Clock Genes), que interagem entre eles criando uma reação sequencial química de retroativação que dura cerca de 24 horas. Basicamente, é como se tivessem desvendado as rodas dentadas que fazem o nosso relógio biológico trabalhar.

Depois da explicação técnica, passamos à prática, explorando as implicações desta descoberta que, segundo Alexandre, vão contribuir para um futuro com melhor qualidade de vida e menos doenças. Isto porque, em 2014, estudos desenvolvidos por especialistas na área da saúde publicados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences revelaram que o jet lag e o trabalho por turnos interrompia o ritmo de milhares de genes responsáveis por manter, reparar e proteger o corpo. Outro estudo publicado pelo Instituto britânico. de Biologia Molecular, em novembro deste ano, apontou para uma possível ligação entre os fibroblastos (as células que reparam feridas e promovem a cicatrização) e o nosso ritmo circadiano. Num grupo de 118 pacientes tratados pelo serviço nacional de saúde britânico, queimaduras sofridas durante a noite demoraram quase um mês a cicatrizar, enquanto queimaduras sofridas durante o dia cicatriza- vam ao fim de 17 dias. Testes de laboratório concluíram ainda que os fibroblastos estão muito mais eficientes durante o dia e menos ativos à noite. Esta descoberta poderá influenciar os horários de realização de cirurgias e outros tratamentos. “Dentro de uma ou duas déca- das, áreas como a Engenharia Genética e a Biologia Sintética serão comparadas à tecnologia informática de hoje porque nessa altura já deveremos ter a capacidade de sequenciar o ADN de praticamente todas as criaturas do planeta e ‘programar’ e tratar doenças que hoje podem ser mortíferas”, conclui Alexandre Machado.

E na Beleza, poderá ter um impacto positivo no envelhecimento? Para a dermatologista Paula Quirino do Centro de Dermatologia Epidermis no Porto, o mais importante e que deve influenciar sempre a escolha de determinado produto em detrimento de outro, são os princípios ativos que o compõem. A dermatologista destaca três como os mais importantes: os derivados da vitamina A ácida, sobretudo o retinol e a tretinoína, os ácidos derivados de ativos de frutos que são muitos e em várias concentrações diferentes, sobretudo o ácido glicólico, e os antioxidantes como as vitamina C e E, o resveratrol, ou o ácido ferúlico. “Os antioxidantes são muito bem tolerados por qual- quer tipo de pele mas têm a particularidade de serem moléculas muito instáveis e facilmente degradáveis, particularmente o resveratrol que deve ser aplicado à noite. Necessitam de embalagem airless para não oxidarem ou veículos lipossomais. A vitamina C aplicada de manhã minimiza a produção de radicais livres induzida pela exposição solar. Já o retinol é a molécula antienvelhecimento mais potente podendo inclusive causar irritações, deverá ser aplicado à noite para não estar suscetível à exposição solar ou outros fatores externos”, exemplifica Paula, reforçando a ideia de que a escolha de um produto cosmético não terá a ver com o ritmo circadiano mas sim com as necessidades específicas da pele de acordo com os cenários a que está exposta. Já marcas como a Circadia ou a Evoté acreditam que produtos formulados a pensar no ritmo circadiano podem ser mais eficazes a cuidar da pele. Lançada em maio deste ano, a Evoté tem como principal objetivo desenvolver produtos para atuar durante a noite. Tem cuidados como um creme para o pescoço e decote, com um biocomplexo exclusivo de 12 horas que ativa a produção de melatonina, uma hormona naturalmente produzida pelo nosso organismo para ajudar a regular o sono. Desenvolvida por Peter Pugliese, médico com mais de 40 anos de experiência na área da ciência da pele e do envelhecimento, a Circadia tem como missão criar produtos que defendem a tez dos agressores exteriores durante o dia e estimulam o mecanismo reparador da pele durante o sono, utilizando apenas ingredientes cientificamente comprovados. Não sei se isto tudo não passará de marketing, se o tal relógio que pedi pelo natal é mesmo life changing, mas aproveitando que janeiro é o mês das previsões, atrevo-me a dizer que o ritmo circadiano vai ser um dos melhores amigos da indústria da Beleza agora e nos próximos anos.

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